"A esperança é como a brisa que nos refresca. Quando acaba, vem a sensação de sufocamento." - Stuka Angyali
Textos


Parábola do Poço



 
Lamenha vivia em uma aldeia nas proximidades de uma grande mata. Questionava-se a todo instante sobre a vida e seus desígnios. Tinha uma personalidade depressiva e não conseguia descobrir o caminho da felicidade. Fora casada por breve espaço de tempo, antes de se tornar viúva. Nem ao menos houvera tempo de ter filhos. Jurou viver sozinha o resto da vida.
Determinado dia tomou a decisão: "-vou sair andando para dentro da mata. Quero desaparecer para nunca mais me acharem"
Andou...andou....andou. Quando se sentia cansada parava por alguns instantes sentada sob alguma árvore. A mata era muito densa, com grandes árvores e uma vegetação com arbustos que quase cobriam suas pernas.
Andou..andou..andou. Parava e refletia sobre a vida. As dificuldades que tinha em lidar com perdas e frustrações. Sempre tivera, desde criança. Acabou adormecendo.....
Sonhou que caminhava por uma trilha. Não sabia aonde deveria chegar. Então ouve uma voz....de onde viria essa voz? Era suave, tom fraternal... E a voz lhe perguntava:
-Lamenha...sabe que és? Quem és tu? Qual a sua função nessa vida? O que tens a aprender e ensinar?
Lamenha desperta assustada daquele cochilo. Demorou alguns segundos para compreender que estava no meio da mata, onde tinha cochilado.
-mas que sonho mais estranho - reflete ela.
A noite já se aproximava e, lentamente, a mata se fazia escura. Seria muito complicado caminhar por ali na ausência da luz.
Talvez voltar?
-ohhh meu Deus...que faço agora? Não sei o caminho de volta...
Lamenha sente uma ponta de desespero. Será que tinha agido precipitadamente?
Continua caminhando, tentando descobrir algum caminho que a tirasse da escuridão...
Então, inesperadamente, o pior acontece.
Caminhando na quase total escuridão, com toda aquela vegetação que já  impossibilitava enxergar o chão, Lamenha não consegue perceber um poço desativado.
Pisa em falso e cai naquele profundo buraco.
Além do susto, as dores no corpo são insuportáveis.
Que desespero!! Não enxerga nada. Passa as mãos ao redor, tateando, e percebe que o espaço em que se encontra provavelmente não deve ter mais do que uns 2 metros de diâmetro.
Grita em vão...
Como poderia alguém escutá-la naquele lugar, à noite, no meio da mata?
Tanta tristeza sem explicação, tantos questionamentos, tanta vontade de desaparecer.....e agora o que mais queria era que alguém a encontrasse.
Agora, sozinha, no fundo do poço.....no fundo do poço
Como chegou a esse ponto?
Não tinha mais o que fazer, a não ser esperar chegar aquela por quem tanto aclamara....
Morreria ali, sozinha, desiludida com a vida que nunca viveu.
Acabou adormecendo sem que percebesse. 
A noite acabou e deu espaço a um novo dia, que clareou cheio de luz. O sol brilhava intensamente quando Lamenha abriu os olhos.
Embora o poço fosse bastante profundo, Lamenha conseguia enxergar seu topo e ver toda a luminosidade exterior.
-Que dia lindo deve estar fazendo lá fora- exclama mentalmente.
Lamenha, pela primeira vez consegue sentir prazer por mais um dia que se iniciava. Contudo, no fundo do poço, jamais teria a oportunidade de vivenciar as belezas desse novo dia.
Grita novamente, chamando por alguém, mesmo sem esperança de salvação.
As horas passam.....
Lamenha repensa toda sua vida, repassando cada momento, como um filme.
Subitamente um barulho a desperta do transe em que se encontrava.
-Meus Deus, será que um animal selvagem está se aproximando do poço? - pensa temerosa.
E então, escuta uma voz chamando  lá de cima. 
- Será possível que há alguém lá fora? Será que há algum ser humano que pode me salvar?
Olha para cima e, com agradável espanto e surpresa, vê debruçada na beira do poço uma figura humana.
Era Rafiq, um jovem lenhador. 
Todas as manhãs Rafiq saia pela mata à procura de algumas aves ou borboletas. Gostava de iniciar o dia admirando as belezas da mata e animais. Vivia com seus filhos e a esposa falecera há alguns anos, vítima de uma doença inesperada e desconhecida. Morava nas proximidades, em lugar ermo.
Naquela manhã Rafiq saiu para o passeio matinal e logo viu uma linda borboleta, como jamais pudera ter observado antes. Resolveu segui-la, imaginando que seria um lindo relato para seu filhos.
A borboleta voava e pousava em alguma árvore ou flor. Rafiq a seguia lentamente, com todo cuidado para não espantá-la para longe de seus olhos.
Pensou: "que estranho....parece que essa borboleta acabou de sair de seu casulo. Parece perdida e tentando descobrir o perfume das flores. Mas porque não vai embora quando me aproximo? Parece querer chegar a algum lugar específico"
Assim Rafiq acabou chegando  àquela vala, onde se encontrava o poço de Lamenha.
-Quem está ai no fundo? - grita Rafiq espantado.
-Socorro..socorro!!!!! - desespera-se Lamenha ao ouvir a voz que gritava lá em cima.
-Vou te ajudar. Espere que vou buscar algum auxílio....
-Nãooo!!!...por favor não vá. Não me deixe aqui sozinha novamente.
Era tarde, para desespero total de Lamenha. Rafiq já partira a fim de conseguir ajuda.
A infeliz Lamenha mais uma vez estava sozinha e angustiada.
-Que sorte a minha? Quando penso que estou salva, vejo que não sairei mais deste buraco.
As horas passam e Lamenha não faz a menor idéia de quanto tempo havia transcorrido desde que vira sua salvação sumir com o vento.
-Eiiii...eiiii..você ainda está ai?? -grita uma voz reconhecida por Lamenha.
-Não pode ser. Meu Deus, você voltou? Grita Lamenha do fundo do poço, com os olhos voltados para cima.
Rafiq voltara com um grande e comprido cipó que conseguiu na própria mata.
-Preste bem atenção!! Jogarei o cipó ai no fundo. Aguarre-se com toda sua força que te puxarei aqui para fora.
Lamenha, nesse instante, relembra toda sua vida, como um "flashback". Bem sabe como terminará no fundo daquele poço. Relembra suas angústias e infelicidades e todo o desejo de simplesmente deixar de existir.
Agora, ali parada diante de um cipó, o que fazer?
- Vamosss..vamosss..aguarre logo ai. Porque está demorando tanto? - grita lá da borda Rafiq.
Lamenha parece despertar de seu transe momentâneo.
Rapidamente agarra-se à ponta do cipó, o qual Rafiq puxa com todas as forças.
Lamenha está salva. Fora de seu buraco.
Não se contém ao sair do poço e corre de encontro ao seu salvador, lançando-se sobre ele em uma abraço envolvente e cheio de afeto e agradecimento. Rafiq seria sempre seu herói.
Como poderia um estranho, no meio do nada, salvá-la daquela situação?
Conversam durante horas, sem perceber que a noite se aproximava lentamente. Lamenha estava curiosa e queria saber mais sobre Rafiq, que também tinha perguntas a fazer.
Vendo que ficava perigoso permanecer mais tempo naquele ambiente, Rafiq a convida para irem para seu humilde lar, a fim de banhar-se, alimentar-se e ter uma boa noite de sono. No outro dia poderia ir para sua casa.
-ohhh não. Seria extremamente deselegante ir à sua casa. Sua esposa poderia achar ruim e ficar enciumada - exclama assustada Lamenha.
-Não se preocupe - interrompe gentilmente Rafiq. Sou viúvo há alguns anos e vivo apenas com meus 3 filhos Taufik, Naam e ishta.
Taufik era o filho primogênito de Rafik. Um belo garoto de 10 anos, muito inteligente  e perspicaz. Foi ele quem a recebeu à porta da pequena casa, com largo sorriso nos lábios e desejou-lhe boa sorte à nova vida.
Lamenha espantou com tamanha eloquência.
Naam era o filho do meio, 8 anos, não menos gracioso e educado. Mais tímido, com um sorriso discreto conseguiu conquistá-la imediatamente.
Ishta, a caçula de 4 anos, princesinha dos irmãos e do papai era um verdadeiro docinho.
Como ficou encantada Lamenha! 
Mas como era possível um homem sozinho cuidar de 3 crianças? - questionava-se silenciosamente a mulher.
Naquela noite ninguém conseguia pregar os olhos. Muitos pensamentos e questões povoando a mente de todos eles.
Houve uma empatia geral. As crianças olhavam-na como a enxergar a mãe que tanto fazia falta.
O homem, um amigo gentil, honesto e cavalheiro não conseguia livrar-se de pensamentos sobre Lamenha. Contagiara-se com seus encantos, embora compartilhasse a dor das perdas. Mas não compreendia como alguém pudera chegar ao ponto de Lamenha. Nunca rendeu-se às lamentações. Sempre encarou a vida de frente, mesmo com desafios que parecessem intransponíveis.
A mulher, Lamenha, agora deitada confortavelmente em uma cama, repensava todos os fatos ocorridos. 
Por determinados momentos ainda não tinha certeza de que tudo não passava de um sonho.
Aliás, não sabia se tudo que vivera anteriormente ao acidente do poço era um pesadelo e agora vivia a realidade.
Seus pensamentos eram inquietos e intensos.
Que crianças maravilhosas. Que homem gentil e educado.
Queria relaxar e dormir. Como poderia? A mente era um verdadeiro turbilhão. O coração parecia querer saltar de seu frágil colo.
Nunca sentira tantas emoções em sua vida e em tão pouco tempo.
Parecia sentir-se feliz. Mas não tinha certeza, pois nunca tivera essas sensações.
A única certeza que tinha era de um renascimento.
Sabia agora....sabia bem quem era.
Era uma alma presa em um corpo. Uma alma que buscava o entedimento de si mesma.
Uma vida marcada pelas angústias dos pensamentos aprisionantes.
Agora tinha a certeza.......
Tinha a certeza de estar livre para viver, mesmo diante dos possíveis infortúnios da vida.
O dia logo amanheceu.....
.....e, naquele humide lar, perdido na mata, reencontraram-se almas.
 
 

Stuka Angyali
Enviado por Stuka Angyali em 17/01/2013


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